Desmatamento já responde por 75% da perda de chuva na Amazônia, aponta estudo

Resumo

  • 📱Baixe o app do g1 para ver notícias em tempo real e de graça Ainda segundo o trabalho, assinado por cientistas brasileiros e estrangeiros, a floresta deixou de receber pelo menos 15,8 milímetros de chuva por estação seca devido ao avanço do corte raso.
  • No mesmo período, a temperatura máxima na superfície do ar subiu em torno de 2 °C, sendo que 16,5% desse aumento está ligado diretamente ao desmatamento e o restante às mudanças globais no clima “A Amazônia sempre foi conhecida por altos volumes de chuva, mesmo na estação seca, entretanto, encontrar algo em torno de 75% realmente é, para mim, muito surpreendente”, afirma ao g1 Marco Aurélio de Menezes Franco, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG-USP) que liderou o estudo.
  • Franco destaca que a Amazônia abastece o continente com umidade por meio dos chamados “rios voadores”, correntes de vapor d’água que se formam sobre a mata e seguem para regiões agrícolas no Centro-Oeste e no Sudeste do Brasil.
  • O estudo aponta que, se o ritmo atual de desmatamento continuar, até 2035 a Amazônia poderá enfrentar uma elevação de 2,64 °C nas temperaturas máximas e uma queda de 28,3 milímetros de chuva por estação seca em comparação com 1985.

Casas flutuantes ficaram encalhadas no leito do Igarapé do Xidamirim, cujo nível da água baixou drasticamente devido à seca em Tefé, no Amazonas. Foto de 20 de agosto de 2024 — Foto: Bruno Kelly/Reuters

Quase 75% da redução das chuvas na estação seca da Amazônia desde 1985 pode ser atribuída ao desmatamento.

É isso o que aponta um novo estudo publicado nesta terça-feira (2) na revista “Nature Communications”.

De forma geral, a pesquisa reforça como a derrubada da floresta tem um peso maior na diminuição das precipitações no bioma do que as mudanças globais no clima.

Ainda segundo o trabalho, assinado por cientistas brasileiros e estrangeiros, a floresta deixou de receber pelo menos 15,8 milímetros de chuva por estação seca devido ao avanço do corte raso.

🌱 ENTENDA: Desmatamento por corte raso é a remoção completa da cobertura florestal (todas ou a maioria das árvores) de uma área específica em um curto espaço de tempo.

No mesmo período, a temperatura máxima na superfície do ar subiu em torno de 2 °C, sendo que 16,5% desse aumento está ligado diretamente ao desmatamento e o restante às mudanças globais no clima

“A Amazônia sempre foi conhecida por altos volumes de chuva, mesmo na estação seca, entretanto, encontrar algo em torno de 75% realmente é, para mim, muito surpreendente”, afirma ao g1 Marco Aurélio de Menezes Franco, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG-USP) que liderou o estudo.

“Este resultado mostra o quão importante é preservar a floresta e trabalhar com ela da forma mais sustentável possível”, acrescenta.

Desmatamento é a chave para a transformação climática da Amazônia. — Foto: Inmet/Reprodução

Segundo Franco, as mudanças no regime de chuvas e no calor acontecem de forma mais brusca logo no início da destruição da floresta.

O estudo mostra que basta a perda de 10% a 40% da cobertura vegetal para que as alterações fiquem evidentes.

Esse comportamento rápido, explica ele, está ligado à delicadeza do sistema amazônico: a vegetação produz partículas que ajudam a formar nuvens e chuvas.

Quando a mata é retirada, esse ciclo se rompe.

Efeitos práticos

Ainda segundo o estudo, os impactos de todo esse desmate vão muito além da floresta. Franco destaca que a Amazônia abastece o continente com umidade por meio dos chamados “rios voadores”, correntes de vapor d’água que se formam sobre a mata e seguem para regiões agrícolas no Centro-Oeste e no Sudeste do Brasil.

Ao diminuir esse fluxo, o desmatamento atinge em cheio setores como o agronegócio. “E o agronegócio já sente esses efeitos no bolso, especialmente na diminuição da produtividade das safras, mas especificamente das safrinhas [um cultivo secundário realizado logo após a safra principal ]”, explica.

Fora isso, os rios da região também sofrem com a redução das chuvas. A tendência é de níveis cada vez mais baixos, o que afeta desde a biodiversidade aquática até comunidades que dependem da pesca e da agricultura de subsistência.

Para Franco, os “impactos, de forma geral, serão tremendos se o desflorestamento não for controlado”.

O estudo aponta que, se o ritmo atual de desmatamento continuar, até 2035 a Amazônia poderá enfrentar uma elevação de 2,64 °C nas temperaturas máximas e uma queda de 28,3 milímetros de chuva por estação seca em comparação com 1985.

Em áreas mais desmatadas, só o efeito local da perda de floresta já elevou a temperatura em até 1,25 °C. “Isso mostra que o desmatamento não apenas soma ao aquecimento global, mas intensifica os extremos regionais”, afirma Franco.

Ele alerta que regiões como o arco do desmatamento, no sudeste da Amazônia, já registram mais secas, queimadas severas e calor extremo, reforçando a ideia de que o bioma caminha para um ponto crítico.

No entanto, como mostrou o g1, ainda não há consenso científico sobre quando seria o chamado “ponto de não retorno”, mas há sinais de que a floresta pode se aproximar de condições semelhantes às do Cerrado ou até da Caatinga.

Nosso trabalho tem implicações diretas para o debate internacional na COP30. Ao quantificar os efeitos do desmatamento, oferecemos um parâmetro objetivo para que governos e negociadores possam discutir o problema com base em evidências científicas, e não apenas em percepções ou interesses políticos.
— Marco Aurélio de Menezes Franco, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG-USP).

Práticas ambientais criminosas ganharam força com aumento de facções na Amazônia — Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino

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