O poeta amazonense Thiago de Mello. — Foto: André Argolo/Divulgação
O poeta amazonense Thiago de Mello morreu aos 95 anos, nesta sexta-feira (14). Ele faleceu em casa, em Manaus. A causa da morte ainda não foi informada.
Thiago de Mello nasceu em Barreirinha, no interior do Amazonas, e é um dos poetas mais conhecidos da região, influente tanto nacionalmente quanto internacionalmente.
Suas obras foram traduzidas para mais de trinta idiomas. Seu poema mais conhecido é ‘Os Estatutos do Homem’ (leia o poema abaixo), em que o poeta chama a atenção do leitor para os valores simples da natureza humana.
Poeta amazonense Thiago de Mello — Foto: Divulgação/Manauscult
O escritor e poeta Tenório Telles informou ao g1 que o velório de Thiago de Mello ocorrerá no Palácio Rio Negro, Centro Histórico de Manaus, em horário a ser definido.
“A passagem do Thiago é uma perda irreparável para a cultura do nosso estado, para o país e para a literatura mundial. Ele fará muita falta pelos compromissos que ele tinha com a vida e com o ser humano”.
O governador Wilson Lima e o prefeito de Manaus David Almeida, decretaram luto oficial de três dias pelo falecimento do poeta.
Em setembro do ano passado, a 34º Bienal de São Paulo homenageou Thiago de Mello. O verso que inspirou a bienal, ‘Faz escuro mas eu canto’, é parte do poema ‘Madrugada Camponesa’.
O poema, de 1965, também ganhou uma versão musical por meio de uma parceria entre Thiago de Mello e o músico Monsueto Menezes, no mesmo ano em que foi lançado.
O poeta é membro da Academia Amazonense de Letras e recebeu o destaque de Personalidade Literária do Prêmio Jabuti, em 2018. O autor foi reconhecido pelo conjunto da obra, que é referência na literatura regional brasileira.
No ano passado, em celebração aos seus 95 anos de vida, a Prefeitura de Manaus realizou a exposição virtual “Thiago de Mello 95 anos de vida, poesia e amor por Manaus”, a partir de acervos pessoais e públicos do poeta, com fotos, entrevistas e vídeos, disponível no link https://vidaecultura.manaus.am.gov.br/.
Série ‘Amazônia, conhecer para amar’ conta história do poeta Thiago de Mello
Leio o poema mais conhecido de Thiago de Mello, Os Estatutos do Homem, de 1977:
Os Estatutos do Homem
(Ato Institucional Permanente)
A Carlos Heitor Cony
Artigo I.
Fica decretado que agora vale a verdade.
que agora vale a vida,
e que de mãos dadas,
trabalharemos todos pela vida verdadeira.
Artigo II.
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.
Artigo III.
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.
Artigo IV.
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo Único:
O homem confiará no homem
como um menino confia em outro menino.
Artigo V.
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.
Artigo VI.
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.
Artigo VII.
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.
Artigo VIII.
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.
Artigo IX.
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha sempre
o quente sabor da ternura.
Artigo X.
Fica permitido a qualquer pessoa,
a qualquer hora da vida,
o uso do traje branco.
Artigo XI.
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo.
muito mais belo que a estrela da manhã.
Artigo XII.
Decreta-se que nada será obrigado nem proibido.
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.
Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.
Artigo XIII.
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.
Artigo Final.
Fica proibido o uso da palavra liberdade.
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.