Manaus completa 356 anos e enfrenta ‘inverno amazônico’ enquanto parte do país esquenta

Resumo

  • Enquanto o restante do Brasil enfrenta o calor, aqui o ciclo de umidade é mais intenso e marca o nosso chamado ‘inverno amazônico'”, informou o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam).
  • O professor e doutor em Meteorologia da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Francis Wagner, explicou que o principal fator é a migração sazonal da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), um sistema meteorológico de grande escala que transporta enormes quantidades de umidade do Oceano Atlântico Tropical para o interior da Amazônia.
  • 🌧️ Fenômenos atmosféricos e o papel da floresta Durante o trimestre de outubro a dezembro, a estação chuvosa se estabelece em grande parte da região Norte.
  • 📊 Quando o Brasil esquenta, Manaus se molha Enquanto em outras regiões o sol predomina no fim do ano, já que o verão no Brasil começa em 21 de dezembro, em Manaus o céu costuma ficar carregado.

Vista aérea de Manaus, chuva em Manaus — Foto: William Duarte/Rede Amazônica

Enquanto grande parte do Brasil vive a expectativa de aproveitar o sol e o calor típicos do verão, Manaus se prepara para seu período mais chuvoso. A capital amazonense, que completa 356 anos nesta sexta-feira (24), vive um fenômeno curioso todos os anos: quando o país esquenta, a cidade entra no chamado “inverno amazônico”.

Por aqui, o clima não é regido pelas estações tradicionais: primavera, verão, outono e inverno, mas pela quantidade de chuva. Durante o auge do período chuvoso, entre o fim de outubro e o fim de abril, chove em média 19 dias por mês, segundo dados meteorológicos.

“É uma característica natural da Amazônia. Enquanto o restante do Brasil enfrenta o calor, aqui o ciclo de umidade é mais intenso e marca o nosso chamado ‘inverno amazônico'”, informou o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam).

📍 Por que Manaus “vira inverno”?

Ainda de acordo com o Censipam, o “inverno amazônico” está diretamente ligado à posição geográfica da cidade, próxima à linha do Equador. Nessa faixa do planeta, as estações do ano não seguem o padrão clássico e são definidas pelo volume de chuvas.

“Temos duas estações bem marcadas: a chuvosa, entre novembro e maio, e a menos chuvosa, entre julho e setembro. Entre elas, ocorrem períodos de transição”, explicou o órgão.

O professor e doutor em Meteorologia da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Francis Wagner, explicou que o principal fator é a migração sazonal da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), um sistema meteorológico de grande escala que transporta enormes quantidades de umidade do Oceano Atlântico Tropical para o interior da Amazônia.

“Durante o verão austral, entre dezembro e maio, a ZCIT se desloca para o sul e se posiciona sobre a Amazônia Central e Norte. Isso maximiza o transporte de umidade e se torna o principal gatilho para o início da estação chuvosa”, detalhou o meteorologista.

A faixa de nuvens é responsável por grande parte das chuvas na região e está diretamente ligada às anomalias de precipitação que fazem Manaus alternar entre períodos de estiagem severa e chuvas quase diárias.

🌧️ Fenômenos atmosféricos e o papel da floresta

Durante o trimestre de outubro a dezembro, a estação chuvosa se estabelece em grande parte da região Norte. As precipitações mais intensas ocorrem pela combinação entre a umidade da Amazônia e a passagem de frentes frias vindas do Sul do país.

A floresta e os rios também são fundamentais para manter o clima úmido e equilibrado. Segundo Francis Wagner, a Amazônia produz parte da própria chuva.

“Cada árvore funciona como uma bomba biológica, liberando vapor d’água na atmosfera por evapotranspiração. Essa umidade se acumula e retorna em forma de chuva”, explicou.

O processo dá origem aos chamados “Rios Voadores”, que são massas de ar carregadas de vapor que circulam pela atmosfera e reciclam a umidade. Estudos clássicos de Eneas Salati mostraram que 50% a 75% da chuva da Amazônia é reciclada, ou seja, é formada pela própria evaporação da floresta.

Além disso, rios como o Negro e o Solimões liberam grandes quantidades de vapor, reforçando o ciclo. “A floresta mantém a umidade, e a umidade mantém a floresta”, resumiu o pesquisador.

Com o avanço da estação chuvosa, outro sistema meteorológico, a Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), também passa a atuar com mais frequência, levando umidade da Amazônia até o oceano.

📊 Quando o Brasil esquenta, Manaus se molha

Enquanto em outras regiões o sol predomina no fim do ano, já que o verão no Brasil começa em 21 de dezembro, em Manaus o céu costuma ficar carregado.

  • 🌧️ Novembro: 9 a 13 dias de chuva;
  • ☁️ Dezembro: até 19 dias;
  • 🌦️ Fevereiro a abril: até 18 dias por mês.

Ou seja, enquanto o Brasil se aquece, Manaus se molha e isso faz parte da identidade da cidade.

🌦️ Urbanização e chuvas mais intensas

O professor Francis Wagner apontou que o crescimento urbano de Manaus também tem alterado a intensidade das chuvas sobre a cidade.

“A substituição da floresta por asfalto e concreto cria a chamada “Ilha de Calor Urbana”. O ar sobre a cidade fica mais quente e sobe rapidamente, sugando a umidade da floresta ao redor. Isso gera chuvas mais severas e localizadas, os temporais típicos no período da tarde”, explicou.

Ele esclareceu que o contraste térmico entre a cidade e a floresta cria uma “brisa de urbanização”, que favorece tempestades curtas, porém intensas, com ventos fortes e alta incidência de raios.

🌍 Há sinais de que as chuvas estão mudando?

Segundo o Censipam, os oceanos são grandes moduladores do clima e influenciam diretamente as chuvas na região. Fenômenos como El Niño e La Niña alteram a distribuição das precipitações.

Em 2023, o La Niña provocou mais chuvas até março. Já a partir do segundo semestre, com o El Niño e o aquecimento anômalo do Atlântico Norte, a situação se inverteu: o período chuvoso atrasou e as secas se intensificaram.

Em 2024, essa configuração persistiu, agravando a estiagem que afetou rios e comunidades não só em Manaus como em todo estado amazonense.

Francis Wagner destaca que a bacia amazônica tem registrado secas e cheias em intervalos cada vez menores. “A Bacia Amazônica tem registrado secas históricas (2005, 2010, 2015-16, 2023-24) e cheias recordes (2009, 2012, 2014, 2021)”.

O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) apontou, no entanto, que o volume total de chuvas em Manaus teve aumento pequeno nos últimos 30 anos, com cerca de 19,9 milímetros por ano, variação considerada discreta e possivelmente ligada também ao crescimento urbano da capital.

🩺 Impactos do clima na cidade

O professor ressaltou ainda que o clima úmido define grande parte dos desafios urbanos de Manaus:

  1. Drenagem sobrecarregada: a impermeabilização do solo impede a infiltração da água e agrava os alagamentos.
  2. Riscos geológicos: o solo encharcado aumenta o risco de deslizamentos em áreas de encosta e igarapés.
  3. Manutenção urbana: o calor e a umidade aceleram a deterioração de vias e estruturas.
  4. Saúde pública: a água parada favorece a proliferação do Aedes aegypti, transmissor da dengue, zika e chikungunya.

🧱 Como Manaus se adapta às águas

Para lidar com o volume de chuva, a Prefeitura de Manaus informou, por meio de nota, que realiza obras e ações de prevenção.

Nos últimos quatro anos, foram construídos 45 mil metros de novas drenagens, executados 46 mil serviços de limpeza de bueiros e retiradas 5.151 toneladas de resíduos de rios e igarapés até setembro de 2025.

As medidas ajudam a reduzir os impactos de alagamentos e inundações durante o período mais chuvoso.

Forte chuva causa alagamentos em pontos de Manaus

Forte chuva causa alagamentos em pontos de Manaus

⚠️ Áreas mais afetadas

As zonas Leste e Norte concentram as áreas com maior risco de alagamentos, por conta de ocupações irregulares em margens de igarapés e encostas, segundo a Prefeitura.

Bairros como Jorge Teixeira, São José, Zumbi dos Palmares, Cidade de Deus e Mutirão estão entre os mais afetados.

A Defesa Civil Municipal mantém monitoramento 24 horas e aciona o Plano de Contingência Municipal (Plancon) em casos de deslizamentos, desabamentos ou alagamentos.

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