Zezinho Correa em espetáculo — Foto: Gabriel Machado/G1 AM
Era manhã do dia 6 de fevereiro de 2021, há exatamente um ano, quando os médicos confirmaram a morte de um dos maiores expoentes da cultura amazônica, o cantor Zezinho Corrêa, aos 69 anos. O artista se tornava mais uma vítima da Covid-19 no estado, e sua inconfundível voz dava lugar a um estrondo de silêncio.
Pai de dois filhos, José Maria Nunes Corrêa interpretou uma das músicas regionais mais reproduzidas no planeta, o hit “Tic tic tac”, na década de 90. A canção explodiu e levou símbolos de expressões culturais da Amazônia a patamares inéditos.
Zezinho começou a sentir os sintomas da Covid-19 logo nos primeiros dias de 2021. Ele foi internado no dia 5 de janeiro, com febre e dores no corpo. A evolução da doença foi rápida, e dois dias depois, o cantor precisou ser transferido para um leito de UTI.
Durante o tratamento contra a Covid, o artista foi intubado e também submetido a uma traqueostomia – procedimento cirúrgico invasivo, realizado para facilitar a chegada de ar nos pulmões.
Ao g1, o filho do cantor, Olim Brandão Corrêa, relembrou o primeiro ano de ausência de Zezinho, e exaltou o legado deixado pelo artista para a família e à cultura amazonense.
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Primeiro ano sem Zezinho
No primeiro ano sem o pai, Olim lamenta por Zezinho não poder estar presente para acompanhar a gestação do neto.
“Não sei dizer, exatamente, como foi esse ano sem ele, mas sei que compartilho essa experiência com muita gente, infelizmente. Acho que a coisa que mais me dói é o fato dele não poder acompanhar o meu filho, que está no ventre da minha mulher. Eu gostaria de ter me formado com ele vivo, e que ele segurasse meu filho nos seus braços”, afirma.
Filho fala sobre relação de Zezinho Corrêa com a família — Foto: Eliana Nascimento/G1 AM
O filho do artista também menciona a simplicidade do pai, e a paixão que ele manteve pela vida e pelo Amazonas, ao longo de toda a sua trajetória. Ele também deu detalhes sobre o modo de ser do artista.
“Zé era uma pessoa muito simples, gostava de pão com queijo com pouca manteiga, não gostava de chinelo virado do avesso, rezava todo dia quando acordava e dormia. Também adorava andar de bicicleta, e ficava horas no telefone conversando com os amigos. A gente percebia a simplicidade do homem que podia ter tudo, e a humildade de quem viu o mundo todo, mas ama a sua terra”, recordou.
Zezinho Corrêa, em foto na Ponta Negra — Foto: Marinho Ramos/Semcom
Carreira e o hit “Tic tic tac”
Natural de uma comunidade de Carauari, à margem esquerda do Rio Negro, Zezinho ficou conhecido internacionalmente após o sucesso “Tic Tic Tac”, na década de 1990, como vocalista da banda Carrapicho.
Em entrevista ao g1, há seis anos, o próprio Zezinho lembrou o sucesso meteórico de “Tic tic tac”, e contou a história da música e o processo de escolha para interpretá-la.
“A música me conquistou desde o primeiro momento que eu ouvi. O Fantástico fazia uma matéria, todos os anos, sobre o Festival de Parintins e, em uma dessas matérias [em 1992], eu vi Braulino cantando enquanto fazia farinha. Fiquei fascinado. Meu Deus, que música era aquela! Coloquei na cabeça que um dia iria gravá-la”, disse.
Zezinho Corrêa conta história do Tic Tic Tac; veja
Dois anos mais tarde, a canção foi gravada e integrou o repertório do grupo, mas o hit só explodiu em 1996.
Isso porque durante as gravações do filme ‘Le Jaguar’, no interior do Amazonas, o ator e cantor francês Patrick Bruel ouviu o “Tic tic tac” e decidiu levar a batida daqueles tambores para a Europa. A partir da descoberta, Zezinho e Patrick viraram amigos. “A gente sentava na sarjeta aqui no Campos Elíseos e ficava horas cantando, compondo. Só quando cheguei na França eu fui saber quem ele realmente era. Tomei um susto”, contou.
Antes de se dedicar à carreira de cantor, o artista também fez curso de formação de atores, no Rio de Janeiro, e estudou interpretação e dança. Como ator, Zezinho Corrêa fez parte do Grupo de Teatro Experimental do Sesc.
Além disso, o cantor também investiu em carreira solo, produzindo projetos musicais. Entre os destaques estão a sua participação no musical “Boi de Pano”, durante o Festival Amazonas de Ópera de 2000; a gravação do seu CD solo no ano de 2001, no Teatro Amazonas e a participação no musical de Natal “Ceci e a Estrela”, em 2017.
Em sua última apresentação, o cantor subiu ao palco do Teatro Manauara com o show “Banho de Frevo – Zezinho Corrêa canta Elba Ramalho”, no dia 21 de dezembro de 2020. Uma semana depois, o cantor participou do lançamento online do livro “Eu Quero é Tic, Tic, Tac”, escrito pelo jornalista e produtor cultural Fabrício Nunes em homenagem à carreira de Zezinho. O lançamento foi transmitido do Centro Cultural Palácio Rio Negro.
Legado
Em entrevista ao g1, Olim Correa afirma que conheceu boa parte da trajetória do pai, a partir de histórias contadas pelos fãs do artista.
Zezinho Correa comemorou carreira em espetáculo — Foto: Gabriel Machado/G1 AM
“Eu nasci justamente em 1996 [mesmo ano em que o cantor ficou internacionalmente conhecido], então eu era muito pequeno para guardar memórias. A trajetória do Zé eu conheci por meio das pessoas que são fãs dele, e puderam acompanhar essa história, e que viveram esse momento tão especial para nossa cultura e para a arte, com o auge da banda Carrapicho”, afirmou.
Em outubro, familiares e amigos promoveram uma exposição com objetos utilizados pelo artista, na Casa Luppi, localizada no Centro de Manaus.
Exposição em Manaus homenageia história de Zezinho Corrêa
Olim conta, ainda, que além do legado deixado como artista, Zezinho Correa foi um exemplo de ser humano a ser seguido para ele e a irmã, Bruna Corrêa, de 20 anos.
“Para as pessoas, ele deixou mais que música, deixou lembranças de momentos felizes, histórias boas para se contar e recordar. Já para a gente, ele deixou a responsabilidade do nome Zezinho Corrêa, com o presente mais importante, me ensinou que pai não se nasce, se escolhe ser, uma decisão de vida. Eu usarei esse presente para ser um bom pai, e para manter o nome dele vivo, pois a arte amazonense vive nele, e vive nas pessoas”
Plano de retomada interrompido
Olin contou que o cantor morreu antes de colocar em prática um projeto que já estava pronto e com o qual sonhava há muito tempo: a volta da banda que o lançou à fama, com direito a turnê de aniversário de 40 anos.
“Ele tinha um desejo muito forte de voltar com a formação original da Banda Carrapicho, que nunca deixou de existir. Os membros originais se unirem novamente para fazer show e uma turnê de 40 anos do Carrapicho era um projeto que já estava pronto. Fico feliz, pois ele conseguiu fazer isso em vida ainda: reuniu a banda, chegou a conversar, todos estavam alinhados nos novos planos, só não chegou a acontecer”, afirma.